segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Sobre Emilia Ferreiro


Emilia Ferreiro

Psicolingüista Argentina, doutorou-se pela Universidade de Genebra, orientada por Jean Piaget. Inovou ao utilizar a teoria do mestre para investigar um campo que não tinha sido objeto de estudo piagetiano. Aos 62 anos, é pesquisadora do Instituto Politécnico Nacional, no México.

O que ficou
As crianças chegam à escola sabendo várias coisas sobre a língua. É preciso avaliá-las para determinar estratégias para sua alfabetização.

Um alerta
Apesar de a criança construir seu próprio conhecimento, no que se refere à alfabetização, cabe a você, professor, organizar atividades que favoreçam a reflexão sobre a escrita.

Processo da leitura e da escrita

Diagnosticar quanto os alunos já sabem antes de iniciar o processo de alfabetização é um preceito básico do livro Psicogênese da Língua Escrita, que Emilia escreveu com Ana Teberosky em 1979. A obra, um marco na área, mostra que as crianças não chegam à escolas vazias, sem saber nada sobre a língua. De acordo com a teoria, toda criança passa por quatro fases até que esteja alfabetizada:

Pré-silábica: não consegue relacionar as letras com os sons da língua falada;

Silábica: interpreta a letra à sua maneira, atribuindo valor de sílaba a cada letra;

Silábico-alfabética: mistura a lógica da fase anterior com a identificação de algumas sílabas;

Alfabética: domina, enfim, o valor das letras e sílabas.



O fácil e o difícil - Para melhor exemplificar sua proposta de mudança conceitual da prática pedagógica, Emilia lembrou como a escola tradicional concebe a língua escrita: “Na escola tradicional, o sujeito que aprende praticamente desaparece, porque o reduzem a um conjunto de habilidades. Habilidades perceptivas, motrizes, perceptiva-motriz, de discriminação perceptiva, auditiva e visual. É a cópia de um modelo dado, uma cópia na qual é proibida qualquer distorção. O objeto da língua escrita se apresenta de tal maneira que a criança o percebe como algo imutável, que deve ser apenas recebido, nunca transformado. Por isso é que se exige da criança uma atitude de respeito cego. A lição tradicional é dada elemento por elemento, supondo que a soma linear dos elementos leve à totalidade. Assim se avança, letra por letra, sílaba por sílaba, palavra por palavra, imaginando-se que basta juntar mais letras, sílabas ou palavras às precedentes. Nesta concepção, o fácil e o difícil são "determinados” de fora: o que ao adulto já alfabetizado parece fácil ou difícil, sem suspeitar sequer que a definição de fácil e difícil também pode ser dada pela criança. E nem sempre o que parece fácil ao sujeito já alfabetizado é fácil para quem não está alfabetizado. Todos nós tivemos esta visão alguma vez, mas já não somos capazes de recuperá-la".

Cruzada - Com base em suas pesquisas e nas contribuições de investigadores de várias partes do mundo, Emilia Ferreiro conclamou os educadores da América Latina a se integrarem numa cruzada pela mudança desta visão de alfabetização: "É possível fazer uma mudança muito profunda, uma mudança que é uma revolução conceitual. Não se trata de acrescentar novas atividades, novos livros ou novas propostas às velhas, mas sim de uma mudança total na concepção do objetivo da aprendizagem, do processo da aprendizagem, do sujeito que aprende e, forçosamente, também do professor".

Preocupação - Preocupada com o impacto de suas idéias na ação dos alfabetizadores habituados com métodos tradicionais, Emilia Ferreiro esclareceu: "Não se trata, de modo algum, de dizer que as crianças se alfabetizam sozinhas. Trata-se, isto sim, de compreender o processo que elas estão vivendo, a cada momento, para poder intervir mais eficazmente, ajudando para que o diálogo entre professor e aluno não seja destruído. A partir do conhecimento de uma série de fatos que estão vinculados à evolução psicológica, é preciso pensar em outros termos na intervenção pedagógica e em todas as coisas que estão em redor desta intervenção".

Processo Evolutivo - Entre as intervenções pedagógicas que devem ser reavaliadas, Emilia Ferreiro citou o uso de cartilhas, os modos de avaliação e promoção de alunos e, especialmente, os testes de prontidão e provas de avaliação posteriores. Para ela, o importante é compreender o desenvolvimento das idéias da criança sobre a escrita como um processo evolutivo: "Na lição tradicional, a criança sabe ou não sabe, pode ou não pode, se equivoca ou acerta. Isto torna muito difícil compreender que a criança está apresentando uma evolução e que certas coisas são normais dentro da evolução, ainda que ela cometa erros em relação à escrita adulta. O professor deve sempre interpretar a produção gráfica das crianças de maneira positiva".

Fundamentos - Para fundamentar o que dizia, Emilia Ferreiro expôs, durante o encontro com os professores, desenhos e garatujas infantis, aparentemente sem grande significado. E explicou: "Quando uma professora aprende a interpretar estas produções, aprende também a respeitar este produtor. Aprende a respeitar esta criança que lhe está mostrando, através destas produções, os esforços que está fazendo para compreender o sistema alfabético da escrita. E que, na verdade, não tem nada de simples, nem de evidente".

Pouco tempo - O caminho da alfabetização, segundo Emilia Ferreiro, passa necessariamente por etapas em que a criança constrói o seu conhecimento, independentemente da camada social a que pertença. As etapas são iguais, podendo variar apenas de acordo com a idade da criança, nunca de sua condição social. "As crianças que estão crescendo em ambiente onde a língua escrita existe - onde se lê e se escreve não apenas como atos muito especiais, mas como parte da vida diária -, onde são estimuladas a manusear livros, onde se permite a elas escrever e desenhar. Estas crianças adquirem muitas informações sobre a língua escrita. Geralmente faz por conta própria uma boa parte do caminho da alfabetização. Se, ao contrário, a criança não tem contato com a língua escrita, se em redor dela não há pessoas que possam ler e escrever, é muito difícil que chegue à escola sabendo o que quer dizer LER e entendendo o que quer dizer ESCREVER”.

Recomendação - Uma das principais recomendações de Emilia Ferreiro aos alfabetizadores é que nunca desprezem a bagagem de conhecimentos sobre a escrita que a maioria das crianças leva para a escola: "O que sabemos é que nenhuma criança urbana chega totalmente ignorante à escola primária. Nós, adultos, é que temos a tendência bem marcada de confundir os saberes diferentes dos nossos alunos pobres com ignorância. Por isso, os discriminamos e rechaçamos. Sabemos também que a possibilidade de uma criança conseguir alfabetizar-se em um ano escolar, que é muito pouco tempo, depende do seu nível de contextualização. Como a escola não faz avaliações do nível inicial, não se dá conta de que algumas crianças chegam sabendo mais do que outras. E quando digo avaliação não estou pensando em prova específica, mas simplesmente em atividades que permitam ao professor ver o que a criança pode fazer".

Proposta - A proposta de Emilia é que os professores, sem qualquer prova inicial de avaliação, criem espaços para que as crianças possam produzir e lhes mostrar o que compreendem sobre a escrita: "Uma das coisas mais reprimidas na escola tradicional tem sido a escrita. Uma das coisas mais proibidas é a escrita espontânea. A escola fala em texto livre, mas proíbe textos livres como representação da escrita da melhor maneira que o sujeito é capaz de conseguir em cada momento de sua evolução".

Descobertas - O estímulo aos estereótipos não se limita ao início da vida escolar, como afirmou Emilia Ferreiro: "Tampouco se permite às crianças produzirem textos livres quando já sabem reproduzir convencionalmente as palavras, porque aí começa a funcionar o estereótipo sobre o que é uma produção aceitável, como também começa a funcionar este enorme medo ante o erro ortográfico". As descobertas sobre a evolução indicam que as crianças vão resolvendo seus problemas numa ordem muito específica: "O primeiro problema que resolvem é a distinção entre o que é desenho e o que é escrita. O segundo é a descoberta de que não é suficiente escrever letras para que algo possa ser lido. Até crianças de 4 ou 5 anos dizem que não há nada escrito quando a mesma letra se repete muito. O problema seguinte que resolvem é como fazer para criar representações diferentes para unidades lingüísticas diferentes. Depois, resolvem a correspondência entre pedaços de linguagem e entre pedaços de escritas. Em seguida, descobrem os princípios fundamentais de um sistema alfabético de escrita: atenção preferencial às diferenças sonoras. Nesse momento, ela deixa de lado as diferenças de significado, reconhecendo que quando há semelhanças sonoras deve-se pôr as mesmas letras e quando há diferenças deve-se pôr diferentes letras. O problema ortográfico vem depois", detalhou a pesquisadora.

Livre expressão - Em sua conferência, Emilia Ferreiro lembrou ainda que a escrita é importante na escola porque é importante fora dela, e não o inverso. E que a correção ortográfica deve ser feita com o maior cuidado: "Uma das coisas que sabemos hoje em dia com a maior clareza é que a correção ortográfica fora de tempo pode inibir a língua escrita. Eu não estou dizendo que a escola deva ignorar o erro ortográfico, apenas que deve saber qual o momento certo para fazê-lo, sem criar inibições. Porque eu me nego a chamar de alfabetizada uma criança que produz apenas estereótipos, ainda que seu texto não tenha erros ortográficos".

Proposta Pedagógica - Ela destacou, então, a proposta pedagógica do tipo construtivista como capaz de proporcionar às crianças que se expressem livremente, com criatividade, mesmo quando o texto produzido apresenta muitos erros de ortografia. "A correção sobre a ortografia não se deve confundir com a avaliação da língua escrita que está por trás", alertou Emilia, concluindo: "Temos que alfabetizar para dar ao homem do povo sua palavra, para que ele possa escrevê-la, para ajudá-lo a não destruir seu discurso em troca de um discurso escolar estereotipado. Também para que escreva de maneira ortograficamente correta, mas que esta ortografia não limite, não destrua, nem mate a língua escrita que ele pode produzir".

transcrito da revista Nova Es

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